Projeto de Lei Ordinária Nº 070

OBJETO: "Revoga a Lei nº 3.808, de 14 de janeiro de 2020, que dispõe sobre a proibição da distribuição gratuita de sacolas plásticas em estabelecimentos comerciais e institui o Programa Municipal de Conscientização e Redução do Plástico no Município de Gramado."

ORIENTAÇÃO JURÍDICA

Orientação Jurídica n.º 070/2025

Referência: Projeto de Lei n.º 105/2025

Autoria: Executivo Municipal

 

I – RELATÓRIO

Foi encaminhado à Procuradoria Jurídica, desta Casa, para emissão de Orientação Jurídica, o Projeto de Lei n.º 070/2025, de autoria do Executivo Municipal, protocolado em 15/08/2025 e leitura realizada em 18/08/2025, que busca autorização legislativa para o Poder Executivo revogar a Lei nº 3.808, de 14 de janeiro de 2020, que dispõe sobre a proibição da distribuição gratuita de sacolas plásticas em estabelecimentos comerciais e institui o Programa Municipal de Conscientização e Redução do Plástico no Município de Gramado.

O Projeto de Lei Ordinária, de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, visa revogar a Lei Municipal que proibiu a distribuição gratuita de sacolas plásticas em estabelecimentos comerciais. Na justificativa, o Poder Executivo informa que a Lei nº 3.808/2020, que proibiu a distribuição gratuita de sacolas plásticas em Gramado, não atingiu seus objetivos ambientais e acabou transferindo o ônus financeiro ao consumidor, sem reduzir de forma significativa o uso das sacolas. O resultado foi um desequilíbrio entre sustentabilidade e direito do consumidor, beneficiando os estabelecimentos sem gerar ganhos ambientais efetivos.

Diante disso, propõe-se sua revogação, não como retrocesso ambiental, mas como correção de uma política ineficaz, reafirmando o compromisso com a proteção ambiental por meio de uma nova legislação construída com participação popular e setorial. O STF admite a vedação ao retrocesso ambiental de forma relativa, permitindo ajustes legislativos desde que não afetem o núcleo essencial das garantias sociais.

Assim, segundo a justificativa, a revogação busca abrir espaço para uma norma mais justa e funcional, que concilie proteção ambiental com os direitos do consumidor e coloque Gramado na vanguarda do uso racional do plástico.

É o breve relato dos fatos. Passa-se a fundamentar:

 

II – DA ANÁLISE JURÍDICA

2.1 Da Competência e Iniciativa

O projeto busca autorização legislativa para revogar a Lei nº 3.808, de 14 de janeiro de 2020, que dispõe sobre a proibição da distribuição gratuita de sacolas plásticas em estabelecimentos comerciais e que instituiu o Programa Municipal de Conscientização e Redução do Plástico no Município de Gramado.

Nos termos do art. 30, I e II, da Constituição Federal, compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal e estadual.

Em mesmo sentido, a matéria ambiental é de competência legislativa concorrente, nos termos do art. 24, VI, da Constituição Federal, podendo os Municípios editar normas específicas desde que respeitada a legislação federal e estadual. Logo, há competência municipal para legislar sobre políticas de uso de sacolas plásticas.

A Lei Orgânica estabelece que compete ao Município, no exercício de sua autonomia, a teor do inciso XXIV, a saber:

Art. 6º Compete ao Município no exercício de sua autonomia:

(...)

XXIV – legislar sobre assuntos de interesse local;



O projeto é de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, o que se mostra adequado, uma vez que a revogação de lei que institui programa municipal decorre de gestão de política pública local.

Assim, o presente PL encontra-se em conformidade com as normas legais vigentes, por ser de competência do Município a normatização sobre assuntos de interesse local, NÃO se registrando, desta forma, qualquer vício de origem na presente propositura, nos termos do art. 61, § 1º, II, “b”, da Constituição Federal, aplicado por simetria.



2.2 Da constitucionalidade e legalidade

A Lei nº 3.808, de 14 de janeiro de 2020, dispõe sobre a proibição da distribuição gratuita de sacolas plásticas e institui o Programa Municipal de Conscientização e Redução do Plástico. Esta Lei foi objeto de redações dadas pelas Leis nº 3989/2021 e nº 4069/2022, que alteraram o art. 2º, inicialmente proibindo a utilização e distribuição gratuita de sacolas plásticas de qualquer tipo, e posteriormente, permitindo apenas sacolas plásticas biodegradáveis, e, finalmente, proibindo as sacolas plásticas de qualquer tipo, inclusive as biodegradáveis.

A Constituição Federal, no art. 225, estabelece o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e impõe deveres ao poder público para protegê-lo. Embora a Lei nº 3.808 tenha sido originalmente elaborada em razão dos objetivos da Política Nacional de Resíduos Sólidos, a revogação da legislação, conforme justificativa, não implica o abandono das metas ambientais.

No caso em tela, a justificativa apresentada pelo Executivo no presente Projeto de Lei, expõe que a Lei nº 3.808/2020 não atingiu sua finalidade, resultando apenas em ônus desproporcional ao consumidor, sem redução efetiva do uso de plástico. Além disso, afirma-se a intenção de criar uma nova legislação ambiental, com maior participação social. Não se verificando, portanto, comprovação efetiva de que a norma tenha atingido os objetivos que justificaram a sua edição, seja no tocante à alegada economia ao consumidor, seja quanto à efetiva preservação ambiental. A ausência de dados concretos e verificáveis que demonstrem tais resultados evidencia a ineficácia prática da medida.

Embora a vedação ao retrocesso ambiental seja princípio reconhecido, o Supremo Tribunal Federal entende que não é absoluto, devendo ser ponderado com outros princípios constitucionais e atribuindo certa discricionariedade ao legislador, desde que não haja supressão do núcleo essencial do direito ao meio ambiente equilibrado. Logo, o Supremo admite que o legislador possa rever políticas ambientais, desde que não afete o núcleo essencial do direito fundamental ao meio ambiente equilibrado. Exige-se que a ação seja razoável, proporcional e justificada em dados de eficácia e de adequação da política pública.

O projeto observa o princípio da razoabilidade, previsto no art. 37, caput, da Constituição Federal, que busca corrigir distorções da lei anterior; o princípio da dignidade da pessoa humana, no art. 1º, III, da Constituição Federal e do direito do consumidor, uma vez que evita transferência de custos desproporcionais, nos termos do art. 170, V, da Constituição Federal. Ainda, em atendimento ao princípio da proporcionalidade, a revogação não extingue a proteção ambiental, mas abre espaço para uma política mais eficaz.

O projeto não elimina a proteção ambiental, mas propõe sua readequação a ser estudada futuramente. Sendo que a revogação se justifica diante da ineficácia da norma anterior e da necessidade de nova legislação mais eficaz.

Sob a ótica do consumidor, a proibição, atualmente vigente, configura ônus financeiro adicional que recai principalmente sobre as camadas socioeconômicas mais vulneráveis.

O Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078/1990, estabelece princípios de proteção contra práticas abusivas e desequilíbrios nas relações de consumo, garantindo direito à informação clara e adequada e evitando imposição de custos desproporcionais. A necessidade de aquisição de sacolas alternativas, muitas vezes mais onerosas, viola esses princípios ao transferir ao consumidor a responsabilidade financeira por uma política ambiental cuja eficácia prática é limitada, gerando percepção de injustiça e fragilizando a relação de confiança entre o cidadão e o Poder Público.

A revogação constitui exercício legítimo de discricionariedade administrativa, pautada pelo mérito do ato, na avaliação da conveniência, oportunidade e justiça. Neste sentido, Hely Lopes Meirelles assim define:

Poder discricionário, portanto, é a prerrogativa concedida aos agentes públicos de elegerem, entre várias condutas possíveis, a que traduz maior conveniência e oportunidade para o interesse público. 

 

Nisto se revela o mérito do ato administrativo, conceito que, igualmente, não encontra definição em lei, o sendo por meio da doutrina, como Miguel Seabra Fagundes:

O conceito de mérito administrativo é de dicil fixação, mas poderá ser assinalada sua presença toda vez que a Administração decidir ou atuar valorando internamente as conseqncias ou vantagens do ato. O mérito administrativo consubstancia-se, portanto, na valoração dos motivos e na escolha do objeto do ato, feitas pela Administração incumbida de sua prática, quando autorizada a decidir sobre a conveniência, oportunidade e justiça do ato a realizar. Daí a exata afirmativa de Seabra Fagundes de que “o merecimento é aspecto pertinente apenas aos atos administrativos praticados no exercício da competência discricionária

 

Portanto, o mérito do ato administrativo é seara que só ao administrador público cabe traspassar, guiado pelos critérios da conveniência e oportunidade, buscando sempre o bem comum. Logo, a revogação de uma norma municipal, especialmente quando ineficaz, caracteriza exercício legítimo de discricionariedade, fundado no mérito administrativo e em busca do interesse público.

Neste ponto, importa registrar também que todo ato da Administração Pública deverá atender ao interesse público, ou seja, sempre visar a uma finalidade pública. Neste sentido, Maria Sylvia Zanella Di Pietro assim interpreta o princípio da finalidade pública dos atos administrativos:

Esse princípio, também chamado de princípio da finalidade pública, está presente tanto no momento da elaboração da lei como no momento da sua execução em concreto pela Administração Pública. Ele inspira o legislador e vincula a autoridade administrativa em toda a sua atuação.

 

A justificativa apresentada pelo Poder Executivo sustenta que a legislação vigente não atingiu os resultados esperados e acabou impondo custos excessivos ao consumidor. Nesse contexto, a revogação surge como uma forma de corrigir uma medida ineficaz e abrir espaço para a construção de uma nova norma que seja referência na proteção ambiental, contando com a participação ativa da comunidade.

Ademais, considerando o teor da matéria, recomenda-se a realização de Audiência Pública, nos termos do art. 60, § 8º do Regimento Interno desta Casa Legislativa.

 

III – CONCLUSÃO

Por todo o exposto, no aspecto jurídico, em observância aos princípios constitucionais vigentes, conclui-se que o PLO 070/2025 atende as normas legais impostas, estando presentes a legalidade e a constitucionalidade.

Desta forma, esta Procuradoria exara Parecer jurídico favorável à sua tramitação.

Por fim, encaminha-se a Comissão de Legislação e Redação Final, e à Comissão de Infraestrutura, Turismo, Desenvolvimento e Bem-estar Social para posterior deliberação, e aos nobres edis para análise de mérito, em Plenário, no que couber.

É o parecer que submeto à consideração.

Gramado, 20 de agosto de 2025.

 



Endi de Farias Betin

Procuradora Geral

OAB/RS 102.885

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